Por que era tão difícil para Marianna admitir que estava ansiosa para rever Fernando? Durante aquela semana que se passou até chegar novamente o dia de ir à Feirinha, Marianna se consumiu em ansiedade. Afinal de contas, ela não conseguia esquecer daquele beijo tão intenso que deu nele, meio que sem querer, por estar triste pelo destino de seus velhos amigos.
Fernando nasceu em 1974. Não havia campanhas anuais de vacinação. Fernando adquiriu paralisia infantil ainda criança e necessitava de muletas para se locomover.
Ao contrário de Marianna que tinha apenas uma tatuagem, Fernando tinha várias: um duende, uma rosa, o nome de uma banda de rock que eles gostavam entre outras tantas. Todas as tatuagens tinham sido feitas por Carlinhos, que era o tatuador mais requisitado que frequentava a Feirinha. Os braços de Fernando eram fortes devido ao tamanho esforço de se locomover com as muletas, ele era branco, tinha os cabelos lisos, castanhos e ostentava um bigodinho que o fazia aparentar ser bem mais velho do que era na verdade. Marianna tinha nessa época dezoito anos e Fernando tinha vinte e dois. O ano era 1997. A diversão principal dos jovens era ir à Ferinha, trocar ideias com os amigos, beber, ouvir rock, enfim curtir a vida.
Juntamente com sua amiga Margarida, Marianna saiu de casa naquela noite na esperança de rever Fernando. Chegando na Feirinha a primeira pessoa que Marianna viu foi ele: em pé, meio que encostado em um carro que estava estacionado na rua, rodeado por meninas que o abraçavam e ficavam repetindo seu nome sem parar.
Marianna passou por ele e acenou com a cabeça e não parou para conversar. Margarida então falou:
- Você ficou com o Fernando, Marianna?
- Sim. Na semana passada que você não veio aqui. Por que você quer saber Margarida?
- Olha Marianna você é minha melhor amiga, então só quero o seu bem. E eu acho que você pode arrumar coisa melhor! Emendou Margarida.
- Margarida, você vai me desculpar, mas eu não concordo com você. Acho que ele é tão legal quanto qualquer um. Você está sendo preconceituosa só porque ele é deficiente físico. Ou você quer ficar com ele também?
- Não é nada disso Marianna. É que... Bem eu não sei explicar.
- Eu gosto muito de você Margarida. Mas, deixe que da minha vida cuido eu. Já basta ter que aturar minha mãe me dando ordens o dia todo. Eu fico com quem eu quiser.
- Então Marianna, não está mais aqui quem falou. Eu vou ali conversar com o pessoal, até mesmo porque o Fernando está vindo aí.
Fernando usava um jeans rasgado, que era moda na época e uma camiseta preta. Estava sorrindo para Marianna quando falou:
- "Se Maomé não vai à montanha..." Por que você não parou para conversar comigo Marianna? Perguntou Fernando. - Eu estava querendo muito te ver.
- Bem, eu não queria atrapalhar. O papo entre você e aquelas meninas parecia estar tão bom.
- 'Peraí', elas são apenas minhas 'chegadas'. É impressão minha ou eu senti uma pontada de ciúmes no seu comentário?
- Por que eu teria ciúmes, afinal nós ficamos juntos apenas uma única vez. E eu devo confessar que eu gostei, você beija muito bem Fernando, de verdade.
- E você é muito linda! Com esses olhos verdes. Deve ter um monte de caras correndo atrás de você. Eu infelizmente não posso correr, mas vim aqui hoje só para te ver.
- Engraçadinho! Como você fica fazendo piadas da sua própria deficiência?
- Eu já me acostumei, afinal não é o fim do mundo, nunca gostei de me fazer de vítima. Eu trabalho, estudo, dou um duro danado para ajudar minha mãe em casa. Eu bebo, fumo, danço. Tudo que você faz, eu também faço, só não ando de bicicleta.
- Eu também não sei andar de bike, nunca tive uma. Minha mãe nunca teve grana para comprar...
Fernando não deixou Marianna terminar de falar. Dessa vez foi ele quem a beijou. Marianna se deixou ficar em seus braços, parecia que não havia mais ninguém em volta dos dois.