Muito ao longe Marianna ouviu um choro de um bebê. Primeiro tímido, depois o choro começou a aumentar. Era Bruce, o bebê de Marianna, que estava dormindo no quarto ao lado e de repente acordou, chorando alto a plenos pulmões. O choro do filho agitou Paulo, que de repente soltou Marianna. O porre subitamente havia passado. Marianna se levantou com dificuldade, o pescoço doía assim como todo seu corpo. Paulo foi para a sala e deixou-se cair pesadamente no sofá.
Marianna cuidadosamente pegou Bruce no quarto e foi para sala.
- Marianna, me desculpa eu te amo...Falou Paulo.
- Quem ama não machuca o outro Paulo. Respondeu Marianna com lágrimas nos olhos.
- Eu não sei o que me deu...
- Você quase me matou!
- Eu jamais te mataria, porque eu te amo...
- Eu preciso respirar, eu preciso sair daqui.
- Por favor, não me deixe...
Logo Marianna, sempre tão esperta. Marianna que havia crescido no meio da malandragem, não percebeu que Paulo estava com um olhar louco, de quem havia ingerido alguma droga. Sem olhar para trás, ela saiu de casa, atravessou a rua e bateu no portão da vizinha. Sônia uma senhora idosa que morava do outro lado, abriu o portão e se deparou com Marianna toda machucada, com os olhos vermelhos de tanto chorar.
- O que aconteceu minha filha? Perguntou a vizinha.
- Eu preciso usar o telefone, por favor. Pediu Marianna.
Sem perguntar mais nada, a vizinha abriu o portão, deixando Marianna entrar com Bruce no colo. Marianna pegou o aparelho e discou três números: 190.
- Polícia Militar.
- Eu gostaria de denunciar uma agressão. Meu marido tentou me matar.
- Primeiro me diga seu nome e o endereço...
O ano era 2001. A Lei Maria da Penha entrou em vigor em 2006. Paulo se aproveitou da saída de Marianna e fugiu para escapar do flagrante. Marianna teve que ir à delegacia fazer uma queixa e se submeter ao exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal. No primeiro dia útil após a agressão Marianna procurou uma advogada e entrou com o pedido de separação.
Como a Justiça no Brasil é lenta, a separação judicial só saiu dois meses depois do início da petição. Mais precisamente em março de 2002. Isso porque Marianna pagou a ação, se fosse depender da Defensoria Pública o tempo de espera seria bem maior. No dia que compareceu ao Fórum Marianna encarou Paulo frente a frente.
- Você tem certeza que é isso mesmo que você quer? Por favor, me dê uma chance! Implorou Paulo.
- Você ainda tem a coragem de me perguntar uma coisa dessas? É lógico que eu tenho certeza. Não vou voltar para você e esperar que da próxima vez você me mate. Respondeu Marianna.
Marianna ficou com a guarda do filho e Paulo com o direito de ficar com Bruce nos fins de semana, de quinze em quinze dias. Marianna ficou com a casa, se comprometendo a pagar todas as prestações.
Para sair do jugo da mãe, Marianna acabou caindo dentro de uma relação muito mais destrutiva do que ela poderia imaginar. Freud deve explicar porque inconscientemente, ou conscientemente talvez, Marianna atraiu para si o mesmo o tipo de agressões morais e físicas, das quais fugiu a vida toda.
Apesar de toda a reclamação da mãe de que Marianna agora seria uma “separada”. Marianna sabia que não seria a primeira, nem a última mulher que teria a árdua tarefa de criar um filho, sozinha. Marianna ensinaria o filho muitas coisas boas como gostar de Rock, por exemplo. Marianna ouvia “Back in black” do AC/DC, que materializava tão bem seu momento atual. A velha Marianna estava começando a voltar. Porém mais forte e capaz.
Marianna iria tirar férias em março, para aproveitar o calor do final do verão e fugir da agitação da alta temporada. Sua mãe ofereceu-se para tomar conta de Bruce para que Marianna pudesse viajar. A mãe sabia que a filha precisava de um tempo sozinha para colocar os pensamentos no lugar. Apenas dessa vez, Marianna resolveu aceitar.
Primeiramente pensou em ir para a praia. A água do mar sempre lhe fizera um bem danado. Depois se lembrou de um velho professor de física, do seu não tão distante ensino médio:
- Eu vou dizer uma coisa para vocês meus alunos. Eu conheci uma cidade que é simplesmente mágica. Se um dia vocês puderem, não deixem de visitar São Thomé das Letras, no sul de Minas Gerais.
Marianna foi até a rodoviária e comprou uma passagem para Três Corações, de lá pegaria um ônibus até São Thomé das Letras. Com a ajuda do serviço de auxílio a lista, ela conseguiu o telefone de algumas pousadas na cidade. Optou por uma chamada Serra Branca. Ligou e fez uma reserva. Arrumou uma mochila, com roupas suficientes para sete dias. Colocou a mochila nas costas e partiu sozinha:
- São Thomé das Letras, aí vou eu...