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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Um novo começo

Muito ao longe Marianna ouviu um choro de um bebê. Primeiro tímido, depois o choro começou a aumentar. Era Bruce, o bebê de Marianna, que estava dormindo no quarto ao lado e de repente acordou, chorando alto a plenos pulmões. O choro do filho agitou Paulo, que de repente soltou Marianna. O porre subitamente havia passado. Marianna se levantou com dificuldade, o pescoço doía assim como todo seu corpo. Paulo foi para a sala e deixou-se cair pesadamente no sofá.


Marianna cuidadosamente pegou Bruce no quarto e foi para sala.

- Marianna, me desculpa eu te amo...Falou Paulo.

- Quem ama não machuca o outro Paulo. Respondeu Marianna com lágrimas nos olhos.

- Eu não sei o que me deu...

- Você quase me matou!

- Eu jamais te mataria, porque eu te amo...

- Eu preciso respirar, eu preciso sair daqui.

- Por favor, não me deixe...

Logo Marianna, sempre tão esperta. Marianna que havia crescido no meio da malandragem, não percebeu que Paulo estava com um olhar louco, de quem havia ingerido alguma droga. Sem olhar para trás, ela saiu de casa, atravessou a rua e bateu no portão da vizinha. Sônia uma senhora idosa que morava do outro lado, abriu o portão e se deparou com Marianna toda machucada, com os olhos vermelhos de tanto chorar.

- O que aconteceu minha filha? Perguntou a vizinha.

- Eu preciso usar o telefone, por favor. Pediu Marianna.

Sem perguntar mais nada, a vizinha abriu o portão, deixando Marianna entrar com Bruce no colo. Marianna pegou o aparelho e discou três números: 190.

- Polícia Militar.

- Eu gostaria de denunciar uma agressão. Meu marido tentou me matar.

- Primeiro me diga seu nome e o endereço...


O ano era 2001. A Lei Maria da Penha entrou em vigor em 2006. Paulo se aproveitou da saída de Marianna e fugiu para escapar do flagrante. Marianna teve que ir à delegacia fazer uma queixa e se submeter ao exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal. No primeiro dia útil após a agressão Marianna procurou uma advogada e entrou com o pedido de separação.

Como a Justiça no Brasil é lenta, a separação judicial só saiu dois meses depois do início da petição. Mais precisamente em março de 2002. Isso porque Marianna pagou a ação, se fosse depender da Defensoria Pública o tempo de espera seria bem maior. No dia que compareceu ao Fórum Marianna encarou Paulo frente a frente.

- Você tem certeza que é isso mesmo que você quer? Por favor, me dê uma chance! Implorou Paulo.

- Você ainda tem a coragem de me perguntar uma coisa dessas? É lógico que eu tenho certeza. Não vou voltar para você e esperar que da próxima vez você me mate. Respondeu Marianna.

Marianna ficou com a guarda do filho e Paulo com o direito de ficar com Bruce nos fins de semana, de quinze em quinze dias. Marianna ficou com a casa, se comprometendo a pagar todas as prestações.

Para sair do jugo da mãe, Marianna acabou caindo dentro de uma relação muito mais destrutiva do que ela poderia imaginar. Freud deve explicar porque inconscientemente, ou conscientemente talvez, Marianna atraiu para si o mesmo o tipo de agressões morais e físicas, das quais fugiu a vida toda.

Apesar de toda a reclamação da mãe de que Marianna agora seria uma “separada”. Marianna sabia que não seria a primeira, nem a última mulher que teria a árdua tarefa de criar um filho, sozinha. Marianna ensinaria o filho muitas coisas boas como gostar de Rock, por exemplo. Marianna ouvia  “Back in black” do AC/DC, que materializava tão bem seu momento atual. A velha Marianna estava começando a voltar. Porém mais forte e capaz.


Marianna iria tirar férias em março, para aproveitar o calor do final do verão e fugir da agitação da alta temporada. Sua mãe ofereceu-se para tomar conta de Bruce para que Marianna pudesse viajar. A mãe sabia que a filha precisava de um tempo sozinha para colocar os pensamentos no lugar. Apenas dessa vez, Marianna resolveu aceitar.

Primeiramente pensou em ir para a praia. A água do mar sempre lhe fizera um bem danado. Depois se lembrou de um velho professor de física, do seu não tão distante ensino médio:

- Eu vou dizer uma coisa para vocês meus alunos. Eu conheci uma cidade que é simplesmente mágica. Se um dia vocês puderem, não deixem de visitar São Thomé das Letras, no sul de Minas Gerais.

Marianna foi até a rodoviária e comprou uma passagem para Três Corações, de lá pegaria um ônibus até São Thomé das Letras. Com a ajuda do serviço de auxílio a lista, ela conseguiu o telefone de algumas pousadas na cidade. Optou por uma chamada Serra Branca. Ligou e fez uma reserva. Arrumou uma mochila, com roupas suficientes para sete dias. Colocou a mochila nas costas e partiu sozinha:

- São Thomé das Letras, aí vou eu...

domingo, 20 de fevereiro de 2011

A escuridão

Dois anos, nove meses e dez dias. Esse foi o tempo que durou o casamento de Marianna. A verdade é que ela via no casamento um meio de fugir da casa da mãe, sempre tão exigente e crítica. Depois que saiu de casa, seu relacionamento com a mãe melhorou consideravelmente.

Os seis primeiros meses da união foram os melhores. Marianna e Paulo foram morar de aluguel em uma pequena kitnet. A grana era curta, porém, não faltava paixão. Marianna se esmerava na arrumação da casa, no preparo das refeições. Fazia todas as tarefas domésticas com dedicação, sem nunca reclamar. Marianna para agradar o marido, parou de beber e fumar.

Tudo começou a mudar, quando Marianna finalmente foi convocada para assumir seu cargo na empresa onde havia passado, através do Concurso que havia feito. Seu salário inicial era o dobro do salário do marido. Para alguns homens machistas, isso é semelhante a uma punhalada no coração. A partir daí a máscara de Paulo finalmente começou a cair. Ele se tornou ciumento  ao extremo. Um dia em que o casal saiu para curtir um show de rock, Marianna encontrou um conhecido que frequentava a Feirinha e conversou com ele por uns minutos, Paulo insatisfeito fechou a cara. Assim que ficaram a sós, começou o interrogatório:

- Quem é esse cara Marianna? Perguntou Paulo.

- É João, que eu conheço lá da Feirinha. Respondeu Marianna.

- E você já ficou com ele?

- Não fiquei, só conheço ele de vista.

- Aposto que você já ficou com ele e está mentindo pra mim.

A partir desse episódio Marianna não saiu mais com Paulo, para evitar maiores constrangimentos. Paulo por sua vez, continuou saindo à noite todo o fim de semana, deixando Marianna sozinha em casa.

Marianna ouvia no rádio a música “Agora eu sei” da banda Zero e cantava: “O tempo voa e agora eu sei, que só quiseram me enganar, tem gente boa que me fez sofrer, tem gente boa que me faz chorar”. A banda Zero era uma banda dos anos 80, que tinha um vocalista que possuía uma voz gutural chamado Guilherme Isnard.


Marianna apenas ia do trabalho  para casa e vice-versa. Pouco tempo depois Marianna resolveu sair do aluguel. Paulo deixou que Marianna escolhesse o lugar, sua única exigência era que o imóvel escolhido fosse uma casa e não um apartamento. Paulo não suportava a ideia de viver trancado como um passarinho preso. Naquela época, não havia o programa “Minha casa, minha vida”, mesmo assim Marianna conseguiu financiar, em quinze anos, a tão sonhada casa própria pela Caixa Econômica Federal. No entanto a casa ficava localizada em outra cidade, distante 35 km do local de trabalho de Marianna. Para chegar era necessário pegar dois ônibus e o metrô. Duas horas para ir e duas horas para voltar, de segunda a sexta-feira.


Se por um lado Paulo foi culpado pelo fim do casamento, Marianna tinha também sua parcela de culpa. A culpa dela, foi se transformar em outra pessoa. Sim, porque para evitar as discussões, ela se anulou, deixou de fazer o que gostava e de ser a pessoa pela qual Paulo se apaixonara. Os antigos amigos se afastaram. Marianna perdeu o contato com Charlotte, Natasha, Danilo, Michael e os Betos.

Para aplacar um pouco da solidão que sentia e para tentar salvar seu casamento, Marianna deu sua última cartada: Ela que sempre foi apaixonada com crianças, parou de tomar o anticoncepcional e engravidou. Em maio de 2001 seu filho nasceu. O nascimento do bebê foi uma das melhores alegrias que Marianna sentiu na vida. Marianna queria que seu filho se chamasse Pedro. Mas Paulo que havia feito artes marciais quando era solteiro, escolheu o nome de Bruce, em homenagem ao lutador Bruce Lee.


23 de dezembro de 2001: Marianna esperava Paulo voltar para casa. Ele havia dito que iria para a formatura de um dos seus irmãos. Cinco horas da manhã Paulo chegou bêbado, de coturno, calça jeans rasgada, camisa preta de banda de Rock. Um visual bem diferente de quem havia dito que iria para uma formatura. Revoltada, Marianna resolveu dar um basta em tudo:

- Se você acha que eu sou trouxa, você está enganado Paulo! Se você estivesse mesmo na formatura, você teria dormido na casa da sua mãe, almoçado por lá e vindo pra casa mais tarde. E ainda por cima vestindo essa roupa.

- Eu fui num show de Rock sim! Não te falei nada porque você ia reclamar.

- Eu estou cheia de ser passada pra trás. Chega pra mim! Se você acha que eu vou passar o Natal aqui com você desse jeito, você está enganado. Eu vou pegar o Bruce e vou para casa da minha mãe!

- Esse é o primeiro Natal do nosso filho e você não vai tirar ele daqui, pra levar para casa daquela sapatão que é sua mãe!

- Eu vou sim e você não vai me impedir...

Marianna virou as costas, para sair do quarto, nesse instante Paulo a puxou pelos cabelos e a jogou no chão. O que se seguiu foi uma sequência de chutes e pontapés. Marianna parecia não acreditar no que estava acontecendo, pois foi pega de surpresa, sua única reação era tentar proteger a cabeça. O restante de seu corpo foi atingido em todas as partes, Paulo parecia possuído. Não satisfeito em chutá-la violentamente, Paulo sentou-se sobre Marianna e passou a estrangulá-la. Marianna não conseguia respirar, não ouviu mais som, não via mais a luz, sentia apenas a escuridão da morte a envolvê-la. 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Uma nova etapa

O fato de ter sido classificada no concurso, dentro das vagas disponíveis, não era uma garantia de emprego imediato. Assim para não ficar parada Marianna, conseguiu uma vaga para trabalhar no comércio. O local: uma loja de peças para eletrodomésticos. Lá Marianna trabalhava de segunda a sábado, ficando exausta para ir na Feirinha quinta e pro Rock na sexta-feira. Para chegar ao trabalho, Marianna pegava um ônibus às sete horas da manhã.


Como pegava o mesmo ônibus, todos os dias no mesmo horário, Marianna passou a reparar nas pessoas que estavam no ônibus. Marianna conhecia todos os passageiros de vista, pois morava nesse bairro há oito anos.

A única exceção era um rapaz cabeludo, que Marianna não sabia onde morava. O rapaz era moreno, cabelos castanhos lisos e longos, parecia um descendente de índio. Todos os dias de manhã, Marianna aguardava ansiosa à hora de ver o desconhecido. Demorou mais de um mês para que ela tomasse coragem de puxar assunto. Enfim descobriu que o rapaz morava em outro bairro e andava mais de sete quarteirões para pegar o ônibus. Seu nome era Paulo, morava com a avó paterna e trabalhava em uma empresa de logística. Era o filho mais velho de sete irmãos. Assim como Marianna, os pais de Paulo eram separados. Os dois conversavam todos os dias durante a viagem e quando Marianna se assustava já estava na hora de descer. Pouco tempo depois, no mês de outubro do ano de 1998, os jovens começaram a namorar.

A primeira vez dos dois foi um desastre. Não que Paulo fosse virgem: ele era um desastrado, isso sim. Marianna foi obrigada a ensiná-lo tudo o que tinha aprendido, na prática e nos livros de Sidney Sheldon. Marianna apesar de ser mais nova, era muito mais experiente em termos de sexo. 


Marianna conversava muito com sua amiga Charlotte, que sempre foi uma eterna confidente:

- Charlotte, eu e o Paulo estamos querendo casar. Falou Marianna.

- Você está grávida? Perguntou Charlotte.

- Não. Não estou grávida, eu me cuido.

- Mas você conheceu esse cara num ônibus Marianna, é muita loucura!

- Eu vi uma pesquisa na TV, que 45% das pessoas se conhecem dentro do círculo de amizades,  30% na noite, 20% no local de trabalho e 5% se conhecem ao acaso. Eu e o Paulo estamos dentro desses 5%. Que mal pode haver? 

- Mas Marianna, vocês estão juntos há apenas seis meses e você tem só 20 anos. E você gosta dele tanto assim?

- Existem casais que se namoram dez anos e se casam e não dá certo. Eu gosto dele.

- Mas será que é amor? 

Em março de 1999, apesar dos apelos dos pais, seis meses depois do início do namoro, Marianna casou-se com Paulo. Casaram-se no civil e no religioso. A cerimônia foi simples. Charlotte e Natasha foram madrinhas. Danilo também foi ao casamento. Quem não foi de jeito nenhum foram os Betos, que não entravam dentro de igreja. Não houve festa nem lua-de-mel. Mas o casamento para Marianna, não representaria um "Final Feliz", pouco tempo depois ela iria descobrir que "o príncipe viraria um chato". Como cantava Cássia Eller, na música "Malandragem" de autoria do Cazuza e do Frejat.


sábado, 12 de fevereiro de 2011

O resultado

Marianna saiu cedo porque era domingo e os ônibus custavam a passar. Para chegar até o local onde faria a prova teria que pegar dois ônibus. A prova estava marcada para as nove horas e Marianna chegou ao prédio com duas horas de antecedência, antes mesmo das pessoas responsáveis pela aplicação das provas. Marianna, em toda sua vida, jamais se atrasou para compromisso algum. 

De acordo com o Edital do concurso, eram oferecidas oito vagas. Oitenta candidatos haviam se inscritos. O que dá uma proporção de dez candidatos para cada vaga. Um número muito irrisório para os dias de hoje, em que a indústria dos concursos públicos chega a divulgar que para alguns cargos a proporção chega a ultrapassar mil candidatos para uma vaga. 


Marianna entrou e sentou-se na última cadeira da fileira do canto, ao lado da janela. Assim que recebeu a prova Marianna foi lendo  e resolvendo as questões uma a uma, lendo e relendo os enunciados várias vezes. Por causa da ressaca, da noite anterior, seu raciocínio estava mais lento do que o normal. O tempo foi passando, os outros candidatos levantavam-se e iam embora. Marianna parecia nem ligar, afinal tinha três horas para fazer a prova.

Ela fez o que sabia. O que não sabia 'chutou'. Em uma prova três alternativas são absurdas, das duas que sobram, Marianna tinha 50% de chance de acertar mas só 'chutava' na trave.  Marianna foi a última a terminar a prova e saiu junto com mais dois candidatos, conforme regra estabelecida no Edital. 


O ano era 1998. Marianna não tinha computador e muito menos acesso a internet. Algum tempo se passou antes que ela soubesse como foi seu aproveitamento na prova. 

Desde que seus pais se separaram, o pai foi morar em uma pensão, assim ele tinha facilidade de andar para todos os lados. O pai de Marianna vasculhou o diário oficial do Estado e conseguiu a informação que tanto queria. Tirou uma cópia do jornal e foi até sua antiga casa.

Marianna estava sentada na calçada com seu walkman ouvindo "We are the champions" do Queen, quando viu seu pai descendo a rua e sorrindo. Era sábado e todos estavam em casa: a mãe com a namorada Tânia e os dois irmãos menores. 


- Eu tenho uma notícia muito boa para te dar, vamos entrar que eu conto para todo mundo de uma vez.  Falou o pai.

- Você ganhou na loteria pai? Perguntou a irmã de Marianna.

- Quem ganhou foi a Marianna. Respondeu o pai.

- Mas eu nem joguei Pai. Que papel é esse na sua mão? Perguntou Marianna.

- Leia você mesma Marianna. Falou o pai entregando o papel para a filha ler. 

Marianna lia o papel e não acreditava no que via. Marianna foi aprovada em 4º lugar no concurso. 

Nesse instante a mãe tomou o papel da mão de Marianna leu e saiu correndo para o meio da rua gritando, para todos os vizinhos ouvirem:

- Minha filha passou no concurso gente. Minha filha passou!

Marianna parecia não acreditar na cena que estava vendo. Logo a mãe que falou que ela não ia passar, agora batia no peito, orgulhosa pela inteligência da filha. Era muito cinismo. 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Mudanças à vista

Marianna ouvia "Até quando esperar" da Plebe Rude e pensava: Com tanta riqueza por aí, onde estará minha fração?


Dos três filhos, Marianna era a que mais se parecia com o pai: a mesma testa, o mesmo nariz. Herdara do pai também o gosto pela leitura. Desde os dez anos devorava livros. Era uma verdadeira 'rata' de biblioteca. Os olhos verdes eram herança da avó paterna que falecera antes de Marianna nascer. Os olhos verdes contrastavam com a pele morena, que fazia com que Marianna chamasse sempre toda a atenção para si, onde quer que estivesse.

Um dia o pai resolveu lhe dar um empurrão e inscreveu Marianna em um Concurso Público para a Companhia Brasileira de Trens Urbanos. O pai pagou a taxa e foi com Marianna até o local da prova. Como Marianna não tirou um centavo do bolso, não fez esforço algum para passar. Não estudou nada e não passou.  É típico do ser humano, dar valor somente as coisas que conquista com seu próprio esforço.

Assim por vontade própria, Marianna resolveu tempos depois de inscrever em outro concurso. Dessa vez o pai não poderia ajudá-la, pois estava sem dinheiro e os recursos eram escassos naquele ano de 1998.

Marianna tinha acabado de sair da empresa onde trabalhou por apenas três meses. Com o dinheiro do acerto, pagou para a mãe algumas contas de água e luz que estavam atrasadas e partiu para os Correios, pois era lá que estavam sendo feitas as inscrições para o Concurso que ela desejava fazer.



Na porta dos Correios resolveu ligar para casa. Do orelhão Marianna torcia para a mãe atender.

- Alô. Falou a mãe do outro lado da linha.

- Mãe, sou eu Marianna.

- Fala logo que eu estou atrasada.

- Estou aqui na porta dos Correios e resolvi te ligar por que não sei se faço a inscrição para este concurso ou se compro um par de sapatos?

- Em primeiro lugar: É melhor você comprar o par de sapatos Marianna, porque você está precisando. Em segundo lugar: Você não vai passar mesmo, então não jogue dinheiro fora.

E desligou o telefone.

Marianna se segurou para conter as lágrimas. A voz da mãe ficou ecoando em sua cabeça:

- "Você não vai passar mesmo!"

- "Você não vai passar mesmo!"

- "Você não vai passar mesmo!"

Mas a mãe estava enganada. Decidida Marianna entrou nos Correios e fez a inscrição. Pegou o Edital com o conteúdo programático,  saiu dali e foi para a biblioteca pública estudar. Estudou até a exaustão. Estudou horas e horas todos os dias, até dormir em cima dos livros.

Na véspera do dia da prova, Marianna foi a uma festa de aniversário de um ano, da filha do seu vizinho. Como ia acordar cedo, resolveu não beber muito: Apenas um copo de cerveja, outro de vinho, meia dose de vodka, um pouco de conhaque e experimentou até uma pinga da roça que diziam ser muito boa. Resultado: Marianna, por volta das vinte e três horas, subiu os três degraus da entrada de sua casa engatinhando, literalmente. Levantou-se às cinco horas da manhã com uma ressaca terrível e um gosto de cabo de guarda-chuva na boca. Fez um café forte, bebeu, tomou um banho e saiu.


Seu futuro dependia muito daquela prova...

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Promessas

Marianna encontrou Carlinhos apenas mais uma vez, em uma festa que Charlotte organizou. Ele estava super bem com a Cida e fingiu que nem conhecia Marianna. Ela por sua vez, não ligou muito. Marianna só foi encontrar Carlinhos nove anos depois, mas isso é uma outra história.

O fim do ano estava chegando. Como sempre acontecia a mãe de Marianna fazia com que os filhos passassem o Natal com ela. Marianna achava o fim, era muito deprimente ver a mãe bebendo e chorando. Depois da meia-noite Marianna sumia. Ia dar umas voltas para espairecer.


A virada do ano era diferente. A mãe de Marianna ia com sua namorada passar o Reveillon em uma Boate GLS. Marianna naquele fim de 1997 resolveu fazer uma proposta inusitada para a mãe:

- Olha mãe, já que a Senhora não vai estar aqui, podemos chamar uns amigos?

- Olha Marianna, como estou de bom humor, vou pensar...

Passada algumas horas, Marianna inquiriu novamente a mãe:

- E aí mãe pensou? Afinal eu já tenho dezenove anos!

- Tudo bem, eu deixo, mas se quebrar alguma coisa, você vai ter que consertar, não fique com o som ligado muito alto e nada de drogas.

Marianna nem acreditou no que ouviu. Sentou com a irmã e juntas combinaram tudo, apesar do pouco tempo que dispunham. Se preocuparam com cada detalhe: Desde a lista dos convidados, passando pela música até decoração com balões nas cores preto e prata.


Seria uma espécie de Festa Americana: os rapazes levavam a bebida e as meninas a comida. Nada parecido com as festas que vemos naqueles filmes americanos, cheias de sexo e drogas, apenas o bom e velho Rock and Roll. 

Dia 31 de dezembro chegou e Marianna estava muito feliz com a Festa. Seus amigos estavam todos lá: Michael, Danilo, Charlotte, os dois Betos. Só faltou Margarida, que a esta 'altura do campeonato' já estava morando junto com seu namorado. Os amigos da irmã eram a maioria e como sempre acontecia pintou até uns penetras, que souberam da festa dentro do  ônibus. O bairro todo não falava em outra coisa.

Não rolou nenhuma briga e  nenhum barraco. Quando deu meia-noite, Marianna que era muito supersticiosa, deu vários pulinhos com o pé direito e fez também duas promessas de ano novo: arrumar um bom emprego (porque estava cansada dos empregos ruins) e quem sabe conhecer um grande amor.

Na hora da virada a música que estava rolando era 'Aqualung' do Jethro Tull.


Mal sabia ela que o ano de 1998 lhe reservava grandes acontecimentos...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Traição

Já passava das dezoito horas quando finalmente Marianna desceu do ônibus leve e feliz. Em sua cabeça via pela milésima vez um filme dos últimos acontecimentos: O bar Alternativo, a casa das amigas, a caminhada e o beijo em Carlinhos, o rock na casa de Beto. Mas um dia ela teria que voltar para o mundo real e faltavam apenas poucos instantes para isso. Absorvida em seus pensamentos não percebeu que alguém a observava preocupada e atenta a todos os seus movimentos.


- Finalmente você chegou! Falou Regina sua irmã, assustada e branca como um papel.

- Nossa, mas eu liguei para dizer que estava bem e que logo voltava para casa. Respondeu Marianna.

- Mas você ligou cedo, falando que já estava a caminho.

- Mas eu mudei de ideia. Eu fui para a casa do Beto 'Branco'.

- E o Carlinhos estava com você?

- Como é que você sabe?

- Assim que você desligou a namorada do Carlinhos, a Cida ligou. Aliás ela ligou de hora em hora te procurando. Ela cismou que você estava apresentando umas meninas para ele e insinuou mais: ela disse que você está interessada nele. Você não ficou com ele, não é mesmo Marianna?

- E se eu tiver ficado Regina, qual o problema? Eu não tenho compromisso com ninguém. Foi ele quem traiu ela.

- O problema é que você conhece a mãe que nós temos. Como ela é agitada e nervosa. Eu estou te esperando aqui, porque ela pediu. Ela ficou com medo da Cida ficar te esperando e te pegar.

- "Cão que ladra não morde". Quem é ela para me pegar. Pode deixar que da Cida eu cuido.

Afinal, pensou Marianna, o que é traição? Trair é tão relativo, porque ninguém é dono de ninguém. Muitas pessoas acham que quando estão em um relacionamento, são donas do outro. Marianna pensou isso quando namorava e foi o fim. Quando ficamos com alguém apenas por comodismo, ou vaidade, ou por falta de expectativa, ou porque a sociedade quer, estamos traindo a nós mesmos. Porque deixamos de ver além do nosso 'mundinho'. Porque deixamos de ouvir nossos desejos. E já dizia Renato Russo: "Mentir para si mesmo é sempre a pior mentira."


As irmãs finalmente chegaram em casa e foram logo recebidas pela mãe:

- Eu sinceramente não sei o que eu faço com você Marianna! Despejou a mãe.

- A Regina me contou tudo, pode deixar que eu resolvo isso agora. Respondeu Marianna.

- É bom mesmo. Respondeu a mãe.

Marianna pegou o telefone e ligou para casa de Cida. O telefone tocou três vezes antes dela atender.

- Alô. Falou Cida.

- Oi Cida, soube que você estava me procurando. Falou Marianna.

Cida falou novamente a mesma ladainha que Marianna já tinha ouvido da boca de Carlinhos e de sua irmã. Do outro lado da linha Cida falava sem parar um monte de palavras de baixo calão e ameaçava Marianna. Depois de ouvir em silêncio, por mais de dez minutos, tudo o que Cida tinha para dizer, Marianna finalmente falou:

- Pronto, agora que você falou tudo, sou eu quem falo. Imagine se eu ligo, de meia em meia hora, para sua casa e seu pai atende? Eu não o conheço, mas sei que ele é um senhor de idade e tem problema de coração. Agora Cida, me admira você, que conhece a minha mãe, porque você já esteve aqui em casa e sabe como é complicado meu relacionamento com ela, ficar fazendo um papel desses! Deixe a minha família fora disso. Liga para o Carlinhos e resolva tudo com ele. Porque ele é seu namorado, pergunte o que você quiser para ele, pois é ele quem te deve satisfação, não eu. Ou então eu vou até aí e converso com você na frente do seu velho e acho que ele não vai gostar nada disso. 

A Cida que falou em seguida, respondeu com a voz trêmula e mansa. Marianna acertou em cheio no ponto fraco dela.

- Nossa Marianna, não precisa ficar nervosa, pode deixar que eu ligo pro Carlinhos. Eu liguei para a casa dele o dia todo e ele também não estava em casa, pensei que ele estivesse com você.

- Você ainda não me viu nervosa e nem queira ver. Tchau Cida. Respondeu Marianna, desligando o telefone.