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terça-feira, 22 de março de 2011

Diálogo sob o céu de São Thomé das Letras

Marianna e César eram apenas mais um casal de jovens que se preparava para passar a noite sentados no Cruzeiro. César levou lanterna e um cobertor muito grosso. O vento parecia assobiar, mesmo sendo março estava muito frio. O copo de choconhaque aquecia as mãos de Marianna. Um pouco abaixo deles, alguns jovens tocavam violão. Cantavam "Tente outra vez" do Raul Seixas ao lado de uma fogueira. 


Marianna e César tiveram então o seguinte diálogo:

- O céu é lindo aqui. Eu nunca vi tanta estrela.

- Eu também não. Dá para ver até a poeira cósmica. Em São Paulo tem tanta poluição, tantos prédios, que às vezes até me esqueço que existe céu.

- O vento está muito frio, vai acabar atrapalhando meu cabelo. Será que nós vamos ver algum disco voador?

- Seu cabelo está lindo. Você acredita em disco voador?

- Eu vou responder sua pergunta, com outra pergunta. Você acredita que na nossa imensa galáxia, somente o nosso "planetinha" minúsculo é habitado?

- Olhando por esse lado, é muita pretensão nossa mesmo. Mas você acredita em vida inteligente?

- Até mais inteligente do que a nossa. Mas diferente do que a gente vê nos filmes de ficção científica.

- Olha Marianna uma estrela cadente! Faça um pedido!


- Essa já se foi, teremos que esperar a próxima.

- Se você pudesse pedir algo, o que pediria?

- Pediria para não ter uma vida medíocre.

- Que pedido estranho. Como assim ?  Uma "vida medíocre"?

- Eu tenho medo de que daqui há alguns anos, quando eu olhar para trás eu perceba que errei. Perceba que tudo que eu fiz, foi em vão. A verdade é que eu queria fazer algo que realmente valesse a pena.

- "Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena"! Mas você já faz, você tem um emprego bom, com um bom salário. Tem um filho perfeito. Você é perfeita. Tem uma casa. Quantas pessoas você acha, que conseguem comprar sua própria casa com 23 anos?

- Financiada em 15 anos. Não se esqueça.

- Que seja!

- Sabe o que eu queria mesmo?

- O quê?

- Eu queria voltar a estudar.

- E por que não volta?

- Quem vai ficar com meu filho Bruce? Eu saio todo dia para trabalhar às 05:30 e chego às 19:00 horas. Meu filho fica com uma moça que mora lá perto de casa. Imagina se do trabalho, eu for para Faculdade? Eu vou chegar prá lá de meia-noite.

- Desse jeito, você nem ia ver seu filho direito. Ele ia estar sempre dormindo.

- O pior é quem estuda a noite, geralmente tem aulas nos sábados e muito trabalho para fazer nos domingos. Depois de quatro anos, meu filho vai me  perguntar: "Quem é você? Eu não te conheço!"

- Por que sua mãe não olha ele para você?

- Eu e minha mãe temos nossas diferenças.

- Mas é ela quem ficou com ele, para você vir para cá, não é mesmo?

- É verdade. Foi ela que insistiu para eu viajar. Para "recarregar as baterias". Mas você não entende...

- Olha, assim como você  eu só tenho o 2º grau. Não sou muito inteligente. Mas se você explicar eu posso tentar entender.

- Minha mãe sempre teve um tipo de comportamento que eu não gosto. Ela sempre foi muito autoritária. Se ela ficar com o Bruce para eu estudar, daqui a pouco ela vai querer mandar de novo em mim. Tudo tem que ser do jeito dela sempre. Não há dialogo.

- E o seu pai?

- Meu pai se separou dela, quando eu ia fazer 13 anos.

- E ele não pode ficar com o seu filho?

- Meu pai cada dia está com uma mulher diferente. Desde que ele se separou da minha mãe. Já arrumou umas sete mulheres, uma em cada ano. Hoje ele vive em uma pensão.

- Leva ele para morar com você. Assim ele vai ter onde morar e aproveita e cuida do neto dele.

- É uma ideia. Eu posso te contar uma coisa?

- Conta.

- É uma coisa que eu nunca contei para ninguém.

- Pode contar.

- Outro dia eu fui em um velório.


- Algum parente seu faleceu?

- Não. O cara que morreu foi assassinado brutalmente. Roubo seguido de morte.

- E como você conheceu esse cara?

- Ele organizava gincanas, quando eu era adolescente. As gincanas eram em prol das crianças carentes.

- Eu também participei de gincanas, lá em Santo André.

- Depois que as gincanas acabaram ele foi nomeado para um cargo de confiança na prefeitura da cidade onde eu morava. Ele era muito talentoso, assim ele foi feito Mestre de Cerimônias. Ele era gay e morava sozinho em uma casa grande, linda, parecia um sítio. Então um cara se aproximou dele e tal, só para matar e roubar. Barbarizaram o coitado.

- Hoje em dia é difícil saber em quem confiar.

- Mas eu cheguei no velório e encontrei um antigo professor meu.

- O professor que falou com você, para um dia conhecer São Thomé?

- Não. Esse era meu professor de física do 2º grau. Muito doido ele. O professor que eu encontrei foi meu professor de história do 1º grau. Seu nome é Antônio. Mas todos o chamavam de Ti Tonho. 

- E você foi apaixonada por ele?

- Não. Ele é gay também. Eu fui apaixonada pelo professor de matemática.

- Toda menina já gostou de um professor. Mas o que tem esse Ti Tonho?

- Ele estava com mais três amigos. Assim que ele me viu, ele correu, me deu um grande abraço apertado e me apresentou para os caras dizendo: "Essa é Marianna. A melhor aluna que eu já tive! A mais brilhante e inteligente" Então ele se virou e me perguntou: "E o que você anda fazendo da vida, se formou em quê?". Eu respondi que não tinha curso superior.

- E o que ele disse?

- Ele falou que era um desperdício eu ter parado de estudar, que eu tinha um futuro lindo pela frente. Eu quis morrer. Eu concluí a 8ª série em 1993. Nós estamos em 2002. Quase todos meus antigos colegas se formaram, alguns estão indo para a segunda graduação.

- Mas por que você se casou tão nova?

- Nem me pergunte. Foi a pior burrice da minha vida. Eu sempre gostei de estudar, nunca precisei estudar muito para passar. Os professores explicavam, eu prestava atenção e aprendia com facilidade. Depois fazia as provas e só tirava "notão". Isso no 1º grau. No 2º grau, eu caí na bebedeira, matava aula demais, me formei meio que "nas coxas". E seus pais? Eu falando de mim, sem parar, me fale um pouco sobre você.

- Não tem muito pra falar de mim. Meus pais morreram. Eu moro com meus três irmãos. Somos dois casais: Meu irmão Carlos tem 28 anos, depois eu César de 24, Cristiane de 23 e Cássia de 18 anos. Um cuida do outro. Todos nós trabalhamos. Eu trabalho em um grande hipermercado lá em Santo André. Estou de férias, resolvi vir para cá conhecer a cidade.


- Hipermercado deve pagar bem...

- Bem mal. Quando eu te conheci, lá no Vale das Borboletas, eu lembrei da minha irmã Cristiane. A gente só chama ela de Ane. Eu podia te chamar de Anna, o que você acha?

- Anna não. Me chama de Marianna.

- Marianna. Maria e Anna.

- Meu nome foi uma homenagem para minhas avós. Maria era minha avó materna. Anna era minha avó paterna.

- Será que a gente vai se encontrar de novo um dia?

- Provavelmente não.

- Mas nós poderíamos namorar...

- A distância? Nem pensar!

- Mas você é categórica, mesmo! Por que não?

- Porque os relacionamentos precisam de presença, de toque, de beijos e abraços...

- Eu prometo que te escrevo muitas cartas. 

- Mas acontece que eu não posso beijar cartas, você beija papel?

- Nunca tentei, mas para tudo tem a primeira vez.

- Eu acho que bebi muito choconhaque e fumei muito cigarro de palha também...

- O dia está amanhecendo...


Não tardou muito e o sol apareceu. Muito devagar, os primeiros raios surgiram no horizonte.  O céu que até então estava escuro foi clareando aos poucos e ficando avermelhado. Haviam poucas nuvens, o que contribuiu para que o espetáculo fosse ainda mais sublime. O sol era um presente de Deus, aquecendo a Terra e nascendo todos os dias, mesmo que uns não queiram, muitos querem: Ser felizes e fazerem os outros felizes também.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Ainda de férias

Marianna, Argeu, Patrícia e Valéria depois de se fartarem nas águas da Eubiose, ouvirem muito rock and roll e tomarem a pinga da Bruxa, voltaram para o centro de São Thomé das Letras. Pegaram carona em um caminhão vazio que vinha buscar pedras na cidade.

- E amanhã em qual cachoeira iremos? Perguntou Patrícia.

- Podemos ir em qualquer uma: Véu da noiva, Sobradinho, da Lua. Respondeu Argeu.


- Mas essas outras são muito longe, eu vi no mapa. A mais perto fica há seis quilômetros da Cidade e até Sobradinho são dezoito quilômetros. Para ir a pé não "rola".  Falou Marianna.

- Mais que menina preguiçosa. Falou Argeu rindo. 

- Fazer exercícios não é muito a minha praia. Adoro a vida sedentária que eu levo. Respondeu Marianna.

- E como você faz para manter a forma? Perguntou Valéria.

- Trabalho. Oito horas por dia, mais duas horas no trajeto. Todo dia tenho que pegar três conduções para ir e voltar. Ainda cuido da casa, cuido do meu filho, não é nada fácil. Estou sempre exausta, nunca sobra tempo pra mim. Respondeu Marianna. 

- Não tem nada de sedentário aí. "Tô" achando que você mora em Sampa, Marianna. Seis conduções por dia, para os paulistanos é normal. Falou Patrícia.

- Saio bem cedo, quando é madrugada e só chego à noite. Quando me deito, parece que só fechei o olho então o despertador toca e começa tudo de novo. Continuou Marianna.

- Aqui em São Thomé das Letras, os dias passam bem devagar. Exceto nos feriados, quando a cidade  fica lotada de turistas. Falou Argeu. 

- Mas nós vamos na Cachoeira amanhã não é mesmo Argeu? Perguntou Patrícia.


- Vamos sim. Vamos os três animados, deixem Marianna a rockeira preguiçosa ficar na cidade. Respondeu Argeu.

- O dia  em que eu estiver motorizada, prometo que volto até aqui e vou em todas as Cachoeiras. Divirtam-se por mim. Até mais gente. Falou Marianna.

Marianna se despediu e quando ia entrar na Pousada ouviu uma voz atrás de si:

- Oi Mari. Falou César.

- Ora, se não é alguém que prometeu, que íamos juntos assistir o pôr-do-sol. Falou Marianna em tom de brincadeira.

- Você não ficou brava comigo, não é mesmo? Perguntou César. 

- Depende da desculpa que você vai me dar.

- Acontece que nós chegamos no camping e fomos tirar aquela terra toda da Gruta do Carimbado, depois eu deitei e dormi. Apaguei, literalmente. Só fui acordar no outro dia cedo. Então, estou perdoado?

- Só se a gente for comer alguma coisa, estou morta de fome. Andei demais, nadei, bebi muita pinga da Bruxa.

- Então vamos. 

- Deixa só eu guardar estas duas garrafas da pinga da Bruxa, que eu comprei prá levar para casa.

- Vai lá, te espero aqui fora. 

Marianna e César foram "almoçar" (eram quase quinze horas). Escolheram um restaurante pequeno e simples, mas aconchegante e com a típica comida mineira, feita no fogão à lenha. Conversaram bastante: falaram sobre tudo, música, família, política. Depois Marianna foi comprar lembrancinhas para levar.


Uma vez em São Thomé das Letras, todos querem levar um pedacinho da cidade pra casa. Pensando nisso, os artesãos desenvolveram pequenas casinhas feitas da própria pedra São Thomé, pequenas réplicas das casas verdadeiras. O turista pode optar por adquiri-las nas lojas de artesanato ou comprá-las diretamente dos artesãos, que ficam ao lado da Igreja Matriz. 


Marianna comprou mais de dez casinhas.

- Desse jeito não vai caber tanta casinha na sua mala, Marianna.

- Hoje meu espírito consumista está afiado, é porque tenho que voltar em breve.

- Bem, já que não deu para vermos juntos o pôr-do-sol, que tal se víssemos o nascer-do-sol?

- Passar a noite toda no Cruzeiro?

- Isso mesmo.

- Mas deve ser muito frio lá em cima, à noite.

- A gente leva cobertor e toma Choconhaque para esquentar. E então o que você acha?

- Não sei...

- Mas antes eu tenho que te dar uma coisa.

- O quê?

- Isso...

César então beijou Marianna. Primeiro um beijo tímido,  depois os dois foram se soltando e o beijo parecia que não ia ter mais fim. Em uma cidade onde mais de 70% dos homens são cabeludos, Marianna resolveu ficar logo com um que tinha o cabelo bem curto. Era o momento de mudar as coisas. Se os cabeludos não tinham dado certo. Por que não mudar?

Marianna sentia-se viva novamente. Depois de todo o sofrimento que passou. 

Um carro estava estacionado na rua, seu rádio estava ligado. A música que tocava era "Angie" dos Rolling Stones. 


Agora, Marianna tinha um bom motivo para assistir o nascer do sol, no ponto mais alto da cidade.


domingo, 13 de março de 2011

Eubiose

Marianna ficou no Cruzeiro até o pôr-do-sol. Um espetáculo lindo, que por mais que Marianna viaje e conheça outros lugares, nenhum pôr-do-sol jamais será tão belo, quanto o pôr-do-sol de São Thomé das Letras. 



- Eu li um livro uma vez, que dizia que quando o sol toca no horizonte devemos fazer uma oração. Falou Patrícia.

- Então cada um, no seu íntimo faça sua oração. Falou Argeu.

Marianna agradeceu a Deus pelo lindo pôr-do-sol e a chance de conhecer pessoas com a cabeça tão aberta, agradeceu por ser mãe de um bebê tão lindo e saudável feito Bruce e pediu que um novo amor viesse, ele poderia demorar, mais que viesse um dia.

Assim que a noite chegou, Marianna foi dormir. Combinou com Patrícia, Valéria e Argeu, que no dia seguinte iriam todos na Cachoeira da Eubiose. César não apareceu, mas Marianna não se preocupou, ele deveria ter um bom motivo para não ter aparecido.

No dia seguinte, Marianna levantou bem cedo, tomou um banho, pegou a velha máquina fotográfica e foi tomar seu café. Ela estava comendo um pedaço de uma broa de fubá, quando foi surpreendida por Argeu, que foi entrando na Pousada:

- Vamos  logo para a Cachoeira da Eubiose, Marianna. Falou Argeu.

- Mas eu não estou atrasada. Nem é oito horas ainda. Respondeu Marianna.

- Quanto mais cedo, melhor. Patrícia e Valéria estão te esperando lá fora.

Marianna voltou até o quarto para escovar os dentes e saiu.

Pelo caminho foi conversando com Argeu e as meninas:

- Porque o nome da Cachoeira é Eubiose? Perguntou Marianna.

- É por causa da Sociedade Brasileira da Eubiose, que é proprietária da área no entorno desse local. Eubiose significa a condição de viver bem. Respondeu Argeu. 

- Você vive de quê aqui Argeu? Perguntou Marianna

- Eu vivo de aluguel das casas, que alugo para os turistas. Respondeu Argeu.

- Bem que eu queria morar aqui. Mas infelizmente não posso largar tudo: meu emprego, minha família e vir definitivamente. Falou Marianna.

- Eu vejo muitos jovens como você Marianna, que vêm para passar apenas o fim de semana ou um feriado prolongado qualquer. Geralmente vêm com a grana contada para a hospedagem e a comida. No domingo, eles ligam desesperados para os pais dizendo que precisam de mais dinheiro, para ficarem mais uns dias. Uns não voltam para casa nunca mais. Falou Argeu.

- Acho que o que atrai todo mundo é essa energia tão boa. Falou Valéria, tropeçando nas pedras.

- Todo mundo aqui tem uma cara boa, as pessoas nos olham nos olhos, sorriem prá gente, mesmo sem conhecer. Falou Patrícia.

- Foi por isso que eu vim e fiquei. Falou Argeu.

Depois de caminharem por um longo trecho a pé, eles saíram da estrada principal e entraram em uma pequena trilha cercada de vegetação por todos os lados. Argeu ia na frente, pois conhecia a forma mais fácil de chegar. O caminho era estreito e o mato alto. Na medida em que iam entrando, o barulho da água ia ficando mais forte. Depois de mais de cinco minutos Marianna finalmente avistou a cachoeira.



A água descia suave e o barulho da água caindo era muito bom. Depois de toda caminhada as roupas grudando no corpo de tanto suor. Marianna, Patrícia e Valéria não resistiram e entraram na água. Afinal elas não tinham andado tanto por nada.



Fria. A água estava fria e gelada. Uma bela forma de curar a ressaca da pinga da "bruxa". A água lavava a alma de Marianna e levava consigo todas as frustrações e as angústias, pelas quais ela tinha passado há tão pouco tempo.

Depois de se fartarem nas águas da Eubiose, os quatro saíram e foram até o Bar, na entrada da Cachoeira. Marianna notou que próximo de cada cachoeira há um bar, uma forma de aproveitar o potencial turístico do lugar.

Sentaram-se e pediram uma cerveja, ainda não era nem dez horas da manhã e eles já estavam bebendo. Marianna se impressionou com a quantidade de garrafas de pinga espalhadas no bar.

- É nesse bar que fabricam a tão famosa pinga da "Bruxa". Falou Argeu.

- A da Bruxa é a que saí mais, mas temos outras tantas pingas boas. Tem pinga com pétalas de rosas. Falou o dono do bar.

- Eu quero experimentar todas. Falou Patrícia.

- Eu vou querer levar duas garrafas dessas, o senhor não tem um sonzinho aí não moço? Falou Marianna.

- Tenho sim. Respondeu o Dono do Bar.

- Então o senhor poderia fazer o favor de colocar esse CD aqui. Falou Marianna tirando um CD de dentro da bolsa.

- Claro que sim. O que tem aqui? Perguntou o dono do bar.

- A primeira música chama-se Iron Man é da banda Black Sabbath. O cara que está cantando chama-se Ronnie James Dio, ou apenas Dio. Falou Marianna.


- Quer dizer então que você é roqueira Marianna? Falou Argeu.

- O rock está no meu sangue. Brincou Marianna.

A voz de Dio encheu o Bar da Cachoeira da Eubiose. Marianna acendeu um cigarro de palha e bebeu a pinga da "Bruxa".

Cada dia em São Thomé das Letras era único.

quinta-feira, 10 de março de 2011

No ponto mais alto da Cidade

Localizada no Sul de Minas Gerais, São Thomé das Letras é equidistante de três grandes centros urbanos: 355 km de São Paulo; 343 km de Belo Horizonte e 331 km do Rio de Janeiro.
As placas dos carros que Marianna mais via, eram do Estado de São Paulo. Os paulistas são a maioria em São Thomé. Marianna estava rodeada deles. Afinal estava em casa: Marianna também era paulista, do interior, apenas morava em Minas Gerais desde seus dois anos de idade. Por isso era mineira de coração.

A viagem de férias estava melhor do que ela imaginava. Há apenas dois dias na cidade, tinha conhecido Elias, o Hippie da ONG; César o paulista de Santo André. 

Marianna subiu até o Cruzeiro, o lugar onde tinha marcado de se encontrar com César. Ainda era cedo, para ser mais exata, ela subiu por volta das dezesseis horas.
Assim que chegou ao local encontrou com Elias, o Hippie, duas moças, mais novas que Marianna, estavam com ele:



- Oi Marianna, que bom te ver de novo! Falou Elias.

- Olá Elias. Oi gente. Respondeu Marianna.

- Essas duas aqui, também acabaram de chegar. Continuou Elias.

- Oi, eu sou a Valéria, mas pode me chamar de Val. 

Valéria era morena, 1,60m, cabelos presos em um coque. Vestia uma calça jeans, bata indiana branca e uma sandália de couro.

- Oi, eu sou Patrícia, mas, não me chame de Pat, por favor.

Patrícia era uma típica hippie. Morena, cabelos longos desgrenhados, trajava uma saia longa, uma bata indiana preta e sandálias de couro também. Sua altura era  bem próxima da altura de Valéria e Marianna.

- E aí Marianna, o que você conta de novo, o que está achando de São Thomé? Perguntou Elias.

- Hoje eu fui no Vale das Borboletas e na Gruta do Carimbado. Falou Marianna.

- Nossa que legal, você foi sozinha? Perguntou Elias.

- No Vale das Borboletas sim. Chegando lá, conheci um pessoal e juntos fomos para a Gruta do Carimbado, mas não tive coragem de entrar. Marquei de me encontrar com um cara, que conheci de manhã, aqui no Cruzeiro. Respondeu Marianna.

O Cruzeiro ficava bem próximo da Pirâmide. Uma construção em forma piramidal, que muitos acreditam ter sido erguida por seres extra-terrestres. 


- Amanhã estamos querendo conhecer a cachoeira da Eubiose. Você quer ir junto? Perguntou Patrícia.

- É lógico. Inclusive, olhei até no mapa, do meu inseparável guia turístico. Dá para ir a pé.  Falou Marianna.

- E não vamos sozinhas. Temos até um guia, bem melhor que esse seu aí de papel. Nosso guia é de carne e osso. Ele deve estar chegando. Falou Valéria, em tom de brincadeira.

Como que por um passe de mágica, surge Argeu. Aparentando uns quarenta anos, ou mais, (Marianna não conseguiu definir). Argeu era alto, moreno, parecendo um índio (tipo um pajé), cabelos longos, grisalhos, amarrados num longo rabo de cavalo.

- Olá gente. Falou o recém chegado.

Patrícia se adiantou em dizer:

- Nós estamos hospedadas na casa do Argeu, ele alugou a casa dele prá gente. E você Marianna, onde está hospedada? 

- Estou na pousada Serra Branca, atrás da Matriz. Respondeu Marianna. 

- Eu conheço a dona de lá. Aliás eu conheço quase todo mundo em São Thomé. Falou Argeu.

- E você é daqui? Perguntou Marianna a Argeu.

- Não. Quase ninguém é daqui. Mas eu vim e me apaixonei pela cidade e fiquei. Respondeu Argeu.

- Mas nós vamos conversar aqui sem beber nada? Peraí que eu vou resolver isso já. Falou Elias.

Elias saiu e voltou logo com uma garrafa.

- O que é que tem nessa garrafa? Perguntou Marianna.

- Pinga com mel. A melhor pinga com mel que você já tomou na sua vida. Respondeu Elias, abrindo a garrafa e servindo a todos.

- Essa é a famosa pinga da "Bruxa". Continuou Argeu.

- Agora temos a vista linda do ponto mais alto da cidade, temos a Pinga da "Bruxa", temos até cigarro de palha. O que está faltando? Perguntou Elias.

- Música, óbvio. Respondeu Marianna.

Alguém trouxe um violão e Argeu começou a cantar:


"Preso nessa cela
De ossos, carne e sangue,
Dando ordens a quem não sabe,
Obedecendo a quem tem,
Só espero a hora,
Em que o mundo estanque,
Prá me aproveitar do conforto,
De não ser mais ninguém.
Eu vou virar a própria mesa,
Quero uivar numa nova alcatéia,
Vou meter um "Marlon Brando" nas ideias,
E sair por aí,
Prá ser Jesus numa moto,
Che guevara dos acostamentos,
Bob dylan numa antiga foto,
Cassius Clay antes dos tratamentos,
John Lennon de outras estradas,
Easy Rider, dúvida e eclipse,
São Tomé das Letras Apagadas,
E Arcanjo Gabriel sem apocalipse.
Nada no passado,
Tudo no futuro,
Espalhando o que já está morto,
Pro que é vivo crescer,
Sob a luz da lua,
Mesmo com sol claro,
Não importa o preço que eu pague,
O meu negócio é viver..."



- Que música linda. Quem canta? Perguntou Patrícia.

- Vocês não vão acreditar. O nome dessa música é: Jesus numa moto. Quem canta é Sá, Rodrix e Gurarabyra. Mas a composição é do Zé Rodrix, o mesmo que escreveu "Casa no Campo". Respondeu Elias.



Era tudo tão mágico. Marianna estava tendo as melhores férias de sua vida...