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terça-feira, 5 de julho de 2011

Sentimentos

- É isso mesmo que você ouviu: Eu amo você Marianna.

Naquele instante, o mundo pareceu parar. A música eletrônica parou. As pessoas ao redor ficaram mudas. Marianna digeriu a frase que Altair falou. Sorveu cada palavra, como uma pessoa perdida no deserto bebe água. Como um afogado, anseia por ar para respirar.

- Amor é uma palavra muito séria. Amar alguém, significa se entregar. Abrir mão de tudo. Você estaria disposto em largar tudo para ficar comigo. Largar o conforto da Zona Sul e ir morar na roça? Largar sua esposa rica e linda e ficar comigo, que nem tenho dinheiro.

- Linda você também é Marianna. E você me faz muito feliz.

Marianna não sabia se deveria acreditar nas palavras doces de Altair. Marianna também não sabia se o amava, assim como ele dizia que a amava. Sabia que era bom estar com ele. Sabia também que diversas vezes ela já tinha 'quebrado a cara' e se estrepado. Mas a vida é feita de tentativas. Se Marianna não tentasse, jamais saberia se daria certo ou não. Na cabeça de Marianna, o tempo caminhava veloz e ligeiro. Ela se sentia como uma pessoa velha, prestes a morrer. E não tinha mais tempo a perder, assim como na música 'Go back' dos 'Paralamas do Sucesso'. 

- Altair eu preciso ir. O Danilinho está me esperando. Eu falei com ele que ia no banheiro.

- Mas antes me dê um beijo.

Altair então agarrou Marianna e lhe beijou.

- Você deve estar louco. E se a sua mulher pega a gente?

- Essa adrenalina, faz com que o beijo se torne melhor.

Marianna deixou Altair e foi em busca de seu amigo Danilinho.

- Nossa Marianna, você demorou no banheiro.

- É porque a fila estava grande. Vamos embora.

- Embora para casa? Mas nós acabamos de chegar. E o show? Nós vamos perder?

- Esse Mercado Mundo Mix, já deu o que tinha que dar para mim.

- Tudo bem então Marianna, você é quem manda. Mas hoje é sábado e ainda está cedo. Faz tanto tempo que não saímos juntos. Vamos para outro lugar então?

- O que você sugere?

- Eu conheço um barzinho muito maneiro, onde toca MPB e tem uma cerveja estupidamente gelada. É só a gente pegar o metrô.


- Ok Danilinho. Você venceu. Vamos lá. Um dia eu te conto, porque eu resolvi ir embora assim de supetão. 

- Se você não quer contar tudo bem. Com certeza você deve ter um bom motivo.

- E bota bom motivo nisso! Não quero te perturbar com meus problemas. Vamos falar de coisa boa pra variar! Você já ouviu aquele CD...

domingo, 26 de junho de 2011

No Mercado

Uma construção imponente de 5 mil metros quadrados construídos, localizada em um local privilegiado da capital mineira, bem em frente ao Parque Municipal e ao lado do Viaduto de Santa Tereza: assim é a Serraria Souza Pinto. Inaugurada em 1913, com o objetivo de fornecer material para as edificações da então jovem Capital Mineira, ficou fechada por muitos anos, até ser reaberta em 1998 para eventos culturais. 




É nesse cenário nostálgico e bucólico que iremos vislumbrar Marianna, que encantada entra pela primeira vez na Serraria Souza Pinto. 

Ela não fazia ideia do que iria encontrar pela frente, quando Altair lhe deu as duas cortesias para o Mercado Mundo Mix.

Marianna não estava sozinha, ao seu lado Danilo, um de seus poucos amigos que sobrou dos tempos de adolescente. Isso é, se Danilo não for o único que sobrou, porque dos outros, Marianna não tinha mais notícias. Cada um seguia sua vida, percorria seu caminho, assim como Marianna tentavam vencer. E o passado ficava para trás, como uma lembrança distante.

Marianna como sempre estava linda: Usava uma mini-saia jeans, uma blusa preta com as costas de fora que exibiam sua tatuagem, sandálias e para completar o visual um chapéu hippie de abas largas que havia comprado em São Thomé das Letras.

O Mercado Mundo Mix foi criado em 1994, com o objetivo de reunir o comportamento jovem urbano criativo em moda, música e design. Percorreu 14 cidades  em 8 estados brasileiros.

Marianna andava boquiaberta por todos os standes observando tudo atentamente. As pessoas lindas e exóticas, com as mais diversas roupas e as mais estranhas tatuagens riam e conversavam adoidado, ao som de um DJ que tocava música eletrônica. Marianna detestava música eletrônica. Não suportava o batidão: "tuti tuti tuti tuti tuti".



- Caraca Marianna. Que lugar legal.

- Uai Danilinho, nem me fale. Vamos beber alguma coisa, eu preciso de álcool.

- Demorou. Olha que bacana aqui tem frozen.

- Frozen o que é isso?

Bem meus leitores, não se assustem com a ignorância de Marianna, afinal estamos em pleno verão de 2004.  O frozen estava começando a surgir no mercado belorizontino.

- Pense Marianna que o frozen é um grande pedaço de gelo doce com álcool.

- Que poético você Danilinho, então não vamos beber, vamos comer esse tal de frozen.

- Ei amigo me vê dois desses aí. Pediu Danilo.


- Só não estou suportando essa música eletrônica. Falou Marianna.


- Eu gosto.


- Me belisca. Você não era meu amigo rockeiro cabeludo, que gostava de Iron Maiden?




- Gostava. As pessoas mudam Marianna.


- Eu jamais vou mudar, jamais vou deixar de gostar de rock.


- "Quem viver verá". 

- Vamos logo Danilinho, eu preciso ver algo aqui no Mercado Mundo Mix.

Marianna precisava ver Altair urgentemente. E o viu: Lindo todo de preto, com os cabelos loiros soltos, ao lado da esposa.

Marianna não pode deixar de admitir como era linda a esposa de Altair, ninguém dizia que ela iria completar 40 anos. Com a pele branca, os cabelos negros ondulados e os grossos lábios que ostentavam um batom vermelho que Marianna nunca teria coragem de usar. Mais de oito tatuagens espalhadas pelo corpo e um vestido lindo que lembravam a época Medieval.

- Danilo, eu preciso ir ao banheiro, você me espera aqui por favor. Pediu Marianna.

- Claro, vai lá.

Marianna olhou para Altair e saiu. Altair foi logo atrás.

- Como você está linda Marianna.

- Linda e bêbada. Eu não devia ter vindo aqui.

- Por que não?

- É tudo muito lindo aqui, mas essa música eletrônica está me dando nos nervos. O pior de tudo é ser obrigada a ver você ao lado da sua "esposa".

- Nossa Marianna, quanta ironia na sua fala. Eu nunca menti para você. Você sempre soube que eu era casado.

- Mas a sua mulher é linda.

- Você queria que ela fosse feia?

- Não é isso, é que...

- ...É que o quê? Ela pode ser linda, mas eu amo apenas você.

- Como é que é?

- É isso mesmo o que você ouviu: Eu amo você Marianna.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Planos

Deitada na cama do Motel, Marianna vislumbrava seu corpo nu, refletido no espelho que estava no teto. Era lindo o contraste de sua pele morena, ao lado da pele branca e pálida de Altair.

- O que você vê Altair?

- Eu vejo nós dois.

- Não é lindo esse nosso contraste? Minha pele morena e sua pele branca, meus cabelos negros e seus longos cabelos loiros.

- Do jeito que você fala, parece que eu só tenho cabelos.

- Foram seus cabelos longos, a primeira coisa que eu notei.

Naquele dia, fazia exatos dois meses, que Marianna se encontrava com Altair. Na primeira vez em que eles ficaram, Marianna havia prometido para si mesma que esta seria a única. Altair fez com que Marianna quebrasse todas as regras.  A primeira de jamais se envolver com homens casados. A segunda, de não levar aquele relacionamento adiante.

Além de ser cabeludo, uma condição imprescindível para ela, Altair gostava de rock: ele possuía a  coleção completa do Pink Floyd em vinil. Sempre que podia, surpreendia Marianna, ligava sempre para o trabalho dela, só para dizer 'bom dia'.



Marianna pensava em como o destino era caprichoso com ela. Marianna ia completar 25 anos, naquele ano de 2003. No entanto aparentava ter muito menos. Altair tinha apenas 22, no entanto aparentava ter muito mais. A esposa de Altair era 18 anos mais velha do que ele. No começo, havia sido acusado pela família da esposa, em estar dando o 'golpe do baú'. Tamanha era a diferença de idade entre eles. Homem velho, com mulher mais nova é bem mais aceito pela Sociedade. Mulher mais velha e rapaz mais novo, é uma verdadeira blasfêmia, aos olhos dos mais puritanos seres de nossa Sociedade mesquinha.

Seu casamento havia sido um erro. Assim como tinha sido um erro, o primeiro casamento de Marianna. Sua esposa era uma famosa estilista, que não gostava nada de sexo. Marianna não podia viver sem sexo. A esposa de Altair não tinha o menor desejo em ser mãe, vivia falando em adotar uma criança. Marianna era mãe de Bruce e sonhava em ter uma linda menina, um dia.

Marianna por sua vez, não se vangloriava em ser 'a amante'. No fundo, ela pensava, que ninguém destrói o casamento de ninguém. As pessoas é que deixam seus relacionamentos se deteriorarem, apodrecerem e  acabarem. Marianna era apenas, uma pequena gota que caiu em uma panela, prestes a se derramar. Afinal, ela fez com que Altair repensasse sua vida. Mal sabia ela, que ele estava realmente balançado pelo furacão chamado Marianna.


Infelizmente, ou felizmente talvez, a vida real é bem diferente de uma novela das oito, onde o cara insatisfeito com o casamento, larga tudo para ficar com a amante boa de cama. 

- Eu tenho uma surpresa para você Marianna.

- Uma surpresa para mim?

- Você já ouviu falar no Mercado Mundo Mix?

- É uma espécie de feira itinerante?

- O Mercado Mundo Mix, é muito mais que isso, você precisa conhecer. Acontece neste fim de semana na Serraria Souza Pinto. Eu trouxe duas cortesias. Você  pode levar quem quiser.


- Vou chamar um amigo para ir comigo. Se eu for sozinha, vou ficar meio deslocada.

- Esse amigo é bonito? Olha que eu fico com ciúmes...

- Ciúmes de mim?! Pode ficar tranquilo, esse cara é meu amigo de verdade. Nós nunca nem ficamos. É um dos poucos amigos que me sobrou, dos meus tempos de adolescente. Danilo é o nome dele. Mas sua esposa também vai estar lá, não é mesmo?

- Vai sim. Nós vamos expor lá. Afinal a loja é dela. A marca é dela. Eu sou apenas um mero coadjuvante. Um marido novo e bonito para ser exibido para as amigas dela.

- Não fale assim. Não sei se eu estou preparada, para ver sua esposa assim de perto. Como qualquer mulher, eu vou começar a me comparar com ela. Isso é inevitável.

- Eu gostaria muito que você fosse, é muito importante para mim. Eu estou cansado de viver à sombra dela. Eu queria mesmo era largar tudo e ficar com você.

- Vai rolar um rock and roll?

- Uma banda vai tocar no final, mas não sei o nome. Você vai então?

- Estaremos lá no sábado. Agora vamos deixar de conversa, me beija. Eu quero mais de você...

domingo, 12 de junho de 2011

Almas que se encontram

Marianna estava tão ansiosa, que mal conseguiu dormir direito naquela noite. Tudo que ela queria, é que o dia seguinte chegasse logo para se encontrar com o Loiro da janela. Um loiro que agora tinha uma voz e um nome também: Altair.

Sempre quando esperamos por um momento, parece que a coisa se arrasta mais do que o normal. Marianna acordou de hora em hora, quando finalmente conseguiu pegar no sono, seu velho rádio relógio ligou em sua estação preferida: eram cinco horas da manhã. Naquele ano de 2003 as pessoas ainda tinham e usavam rádio relógios. 
Cantarolando Marianna entrou no banheiro e tomou um banho demorado. Ao invés de escolher uma calça jeans e uma blusa preta, ela optou em ir trabalhar de vestido. Um lindo vestido azul estampado com pequenas flores, amarrado por dois laços, um em cada ombro. Os cabelos cacheados, que quase sempre estavam amarrados, foram lavados e ficaram soltos.  

Nunca em sua vida, a hora do almoço demorou tanto para chegar. O endereço que Altair havia lhe passado por telefone, estava anotado em sua agenda. Só não entendeu porque teria que ir antes das catorze horas, em breve desvendaria aquele mistério.

Altair havia dito no telefone, que o endereço ficava ao lado do bar do João. Mas Marianna nunca tinha ouvido falar no bar do João. Perguntou para o pessoal do trabalho, se alguém já tinha ido nesse lugar. 

- Nós sempre vamos lá Marianna. Só que não chamamos o lugar de Bar do João, chamamos o Bar de Choris. Falou Wagner.

- Então o que significa Choris para vocês? Perguntou Marianna.

- Chouriço. Lá eles servem um chouriço divino. Assim apelidamos o Bar com esse nome. Lá é frequentado por um monte de jovens roqueiros e tatuados. E umas garotas que ficam se beijando. Cheio de rapazes lá e as meninas se beijando. Comentou Tom.

- Tem gosto prá tudo. Uns gostam de chouriço, outros gostam de meninas. Filosofou Wagner. 

- Eu não tenho nada contra chouriço. Só acho o gosto um pouco forte. Falou Marianna.



- Só pode ir quem tem tatuagem. Você tem uma tatuagem nas costas Marianna, dá para ver. Ainda mais você usando esse vestidinho azul. 'Tá' mal intencionada, hem?! Brincou Tom.

- Bem, intencionada vocês querem dizer. Que mal há, em uma mulher se vestir de mulher, só um pouco para variar? Eu tenho tatuagem sim, mas não vou nesse bar, vou na galeria ao lado. Até mais pessoal. 

Marianna saiu e seu coração parecia que ia sair pela boca. Imaginou o tipo de diálogo que teria com o Loiro da janela.

Assim que chegou na esquina, pode visualizar Altair, parado na porta da galeria, conversando com um rapaz. Ele estava vestido todo de preto, com os cabelos loiros soltos, bem maiores do que os cabelos de Marianna. Assim que ele a viu, sorriu para ela. Um sorriso lindo, que fez o coração de Marianna derreter, como um picolé em pleno verão. Havia algo no olhar de Altair, que fez com que Marianna tivesse a impressão, de já ter visto aquele rapaz antes. Como se já o conhecesse de outro tempo. De outras vidas.

- Oi tudo bem, eu sou a Marianna.

- Muito prazer, vamos entrar? Depois a gente conversa. Falou Altair dirigindo-se para o rapaz com o qual conversava.

Assim que Marianna entrou na loja, um arrepio percorreu todo o seu corpo. A loja era toda preta, em estilo gótico, repleta de roupas nem um pouco convencionais: espartilhos, vestidos, saias, coturnos. Tudo muito dark. Havia uma escada em formato de caracol, que conduzia a uma espécie de sobreloja. Num pequeno canto, uma pick-up rolando um vinil do The Cure: "The head on the door". A música era "The Blood". Marianna se lembrou de seu amigos Betos, que adoravam Cure. Aquele era um bom sinal. 


- Então você é a moça que fica me espionando da janela?

- Sou eu sim.

- Você por acaso, sabe quem atendeu o telefone?

- Nem imagino.

Um silêncio constrangedor emergiu entre os jovens. Marianna parecia não acreditar no que estava ouvindo. 

- Não vai me dizer que você é...

- Casado? Essa é a palavra que você quer dizer?

- Mas não tem nenhuma aliança na sua mão! Foi a primeira coisa que eu vi em você, depois do seu cabelo, é claro.

- Tem esse anel de prata, com essa caveira incrustada. Sou alérgico a ouro. Ontem quando você ligou, foi minha esposa quem atendeu o telefone.

- Então Altair, me desculpa tomar seu tempo. Eu vou embora, porque nunca me envolvi com homens casados. 

E virou as costas. Nesse instante, Altair segurou o braço de Marianna e disse: 

- Nunca diga nunca. Prá tudo tem a primeira vez na vida. 

Altair puxou Marianna para si e beijou sua boca. Um beijo intenso ao som do The Cure. Marianna tentou se soltar, mas o desejo falou mais alto. Seu corpo falou mais alto. A mulher dentro de si, gritava querendo loucamente aquele jovem desconhecido. Como uma espécie de filme antigo na TV.

Altair trancou a loja, fechou as cortinas e levou Marianna escadas acima. Na parte superior  havia um pequeno ateliê de costura, com uma enorme bancada e uma cadeira. Altair beijou Marianna mais e mais. Ela pode sentir o volume crescendo dentro de sua calça. Seu membro que pulsava por Marianna. Ela subitamente, para facilitar as coisas e aplacar logo aquela ansia de um pelo outro, puxou os dois lacinhos nos ombros que amarravam seu vestido. O vestido azul deslizou pelo corpo de Marianna e foi parar no chão. Altair ficou fascinado com a beleza daquele corpo moreno só de calcinha. Com um gesto doce, ele arrancou a calcinha de Marianna e beijou todo o  seu corpo.

- Como você é linda e cheirosa.

Altair tirou a calça e Marianna o fez sentar-se na cadeira. 

- Senta aqui. Ordenou Marianna.

Marianna pegou a bolsa, tirou um preservativo e o colocou no rapaz. Em seguida, ela se sentou por cima dele. Subiu e desceu, várias vezes em movimentos rápidos. Altair sugava seus seios, fazendo com que Marianna gemesse. O orgasmo veio fácil para ela. Ele gozou logo em seguida. 

- Eu estava precisando muito disso. Desabafou Marianna. É uma pena que nós nunca mais vamos nos ver.

- Como assim? Perguntou incrédulo Altair.

- Eu li uma vez em uma revista, que a Madonna só transa no terceiro encontro. Que tipo de cara, vai querer ficar com uma garota que transou com ele assim de primeira?



- Só um cara doido, iria deixar uma morena assim escapar. Agora que eu te achei, nunca mais vou te perder.

- Quem te achou fui eu. Nunca se esqueça disso.

domingo, 5 de junho de 2011

Uma voz ao telefone

Marianna teve um plano para finalmente conhecer o Loiro. Era meio que mirabolante, mas poderia dar certo. Ela passou pela primeira vez em frente ao prédio onde o loiro morava, anotou o nome da rua e o número do prédio. Faltava no entanto o número do apartamento.


Mariana resolveu contar as janelas de cima para baixo. Uma, duas, três, quatro e cinco. Se Marianna estivesse certa seria o quinto andar. De posse desses dados, Marianna pegou o catálogo telefônico de endereços e começou a procurar o número desejado.

Como eu já escrevi aqui, em alguns capítulos atrás, Marianna era uma ávida leitora. Lia tudo que caía em sua mão. Lia até rótulos de shampoo quando estava no banheiro. Lia até proclamas de casamento nos jornais de sua cidade. Então o catálogo telefônico não era nenhum bicho de sete cabeças. 

O ano em questão era 2003, naquela época o telefone fixo ainda era o principal meio de comunicação, apesar de muitas pessoas terem celulares. Marianna não tinha um celular. Se alguém a quisesse localizar havia seu número residencial e o número do seu trabalho. 

E foi o telefone do seu trabalho, que ela usou para ligar para o Loiro da janela. No catálogo constava três números para o quinto andar. Um número do apartamento 501 e dois números para o apartamento 502. Marianna resolveu começar pelo primeiro. Aproveitou a hora em que não havia ninguém em sua sala e pegou o telefone. Quando discou o número, a porta se abriu e sua colega de trabalho entrou, retornando mais cedo do almoço. Marianna colocou o telefone no gancho e resolveu ligar mais tarde. 

Três dias se passaram, sem que houvesse um único instante em que Marianna ficasse sozinha no escritório. Os números continuavam escritos num pequeno papel amassado, guardado dentro da agenda de Marianna.

Marianna pensou que sua ideia era muito ridícula, nunca daria certo. Quando finalmente resolveu desistir e deixar o Loiro para lá, como que por um passe de mágica, o Coordenador do seu setor chamou Marianna.

- Marianna por favor, cancele todas suas atividades hoje. Preciso que você fique no escritório, já que todos terão que sair.

- Tudo bem eu fico. Respondeu Marianna.

Os Deuses pareciam estarem a favor de Marianna. Todos os rituais de Wicca não tinham sido em vão. Assim que todos saíram Marianna pegou o telefone. Seus dedos tremiam, tão grande era sua ansiedade. Marianna discou e aguardou. Seu coração batia aceleradamente.

Depois de três toques uma voz de mulher respondeu:

- Alô.

Marianna não estava preparada para ouvir uma voz de mulher. Nem o nome do Loiro ela sabia.

- Alô, eu poderia falar com o "Loirinho dos passarinhos"?

- Você quer falar com o Altair?

 Então esse era o nome do Loiro misterioso.

- Éééé. Ele está? Respondeu Marianna gaguejando.

- Ele está na loja.

- Você poderia me dar o número de lá?

- Sim. Você quer anotar.

Marianna anotou, agradeceu e desligou o telefone. Marianna estava tão eufórica que parecia flutuar. Ela pulava, rodopiava e cantava sozinha uma de suas músicas preferidas do Ira!:

"São três horas da manhã, você me liga
Pra falar coisas que só a gente entende
São três horas da manhã, você me chama
Com seu papo poesia me transcende

Oh meu amor
Isso é amor
Oh meu amor
Isso é amor
É amor... é amor..."


Na verdade eram três horas da tarde, não era amor ainda o que ela sentia, era paixão pelo Loiro da janela, melhor dizendo, por Altair. Em seguida, discou o número anotado. Dessa vez uma voz de homem atendeu, dizendo o nome da loja e falando boa tarde. A voz era linda.

- Oi Altair, você não me conhece, meu nome é Marianna. Eu liguei para sua casa e uma mulher me passou esse número. Todos os dias eu te vejo na janela, fumando e cuidando dos passarinhos. Eu te acho muito gato e gostaria de te conhecer. Despejou Marianna.

- Por que você não vem aqui então, para a gente conversar pessoalmente?

- Se você me passar o endereço, eu vou.

- Anota então. Mas você tem que vir antes das duas da tarde.

- Tudo bem. Amanhã estarei aí na hora do almoço.



sábado, 28 de maio de 2011

Contatos imediatos

Marianna precisava urgentemente conhecer o loiro da janela. Já tinha até uma música que quando ouvia, lembrava-se dele: "Luz dos Olhos", composição de Nando Reis, na voz de Cássia Eller:

 "Ponho os meus olhos em você, se você está" 

Quando o loiro aparecia na janela, ela obviamente não tirava os olhos de lá.

"Dona dos meus olhos é você, avião no ar"

Na verdade o Loiro era o 'Dono' dos olhos de Marianna. Um avião no alto da janela.

"Um dia para esses olhos sem te ver, é como o chão do mar"

Marianna ficava muito deprimida quando o Loiro não aparecia, quando a janela ficava fechada.


Em duas ocasiões, Marianna pôde ficar bem próxima do rapaz, que era o alvo dos seus sonhos mais loucos. Dos sonhos sim, porque ela sonhava com ele quase todas as noites.

Toda sexta-feira, na região em que Marianna trabalhava, havia uma Feirinha de comidas e bebidas. Uma Feirinha muito parecida, com a que Marianna frequentava quando era adolescente. Depois de uma semana cansativa de trabalho, um "happy hour" vinha bem a calhar para qualquer um. Menos para Marianna. Ela tinha que sair correndo do trabalho e chegar logo em casa, para ver seu filho Bruce. Em uma sexta-feira Marianna ficou com vontade de comer uma vaca atolada, então pediu à seu Coordenador, para dar um pulinho na Feirinha e comprar uma porção para viagem.


Marianna estava parada na calçada esperando o sinal abrir para os pedestres. Nas mãos, uma sacola com o marmitex de vaca atolada dentro, quentinho. Ao atravessar a Avenida, quem Marianna viu no meio de toda aquela gente? 

O Loiro da janela. Todo de preto: calça, camisa, coturno e nas mãos um guarda-chuva também preto, pois uma garoa fininha, teimava em cair naquela sexta-feira.

Ele passou e Marianna ficou feliz, por poder ver o Loiro mais de perto, para logo depois ficar muito triste em imaginar que um cara lindo como aquele, nunca daria 'bola' para ela.

Em uma segunda ocasião, Marianna estava no horário de almoço, andando pela rua, quando em frente a uma banca de jornal, mais uma vez o Loiro estava lá: De chinelos, bermuda e uma camiseta. Marianna notou uma tatuagem em seu braço direito. Uma caveira que mais parecia um demônio. O rapaz estava em pé, parado, lendo uma revista em uma mão e na outra mão, uma de suas gaiolas com um lindo curió que cantava, alheio ao sofrimento de Marianna. Marianna que nunca gostou de ver pássaros aprisionados em gaiolas, achava que aquela situação era um sinal, ela via sinais em tudo, desde que começou a frequentar o Coven de Wicca. 


Dessa vez, o loiro olhou bem nos olhos verdes dela. Olhou e sorriu. Marianna retribuiu o sorriso, passou pela banca e fez algo que raramente fazia, quando sentia que era observada: Marianna olhou para trás. O Loiro continuava lá parado, sorrindo e olhando para o traseiro de Marianna, que diga-se de passagem, era um traseiro de fazer qualquer marmanjo babar. Marianna conseguiu ouvir o dono da banca, dizendo algo para o Loiro. Mas o barulho dos carros, impediu que Marianna pudesse entender o que os dois estavam conversando.

Marianna voltou para o escritório e ficou imaginando uma maneira de se aproximar do Loiro. Afinal de contas, Marianna era persistente. Quando queria alguma coisa, ela corria atrás. 

domingo, 22 de maio de 2011

Um acontecimento inesperado

Os dias passaram voando. A rotina de Marianna permanecia inalterada: Levantar-se de segunda a sexta-feira, às cinco horas da manhã. Deixar o pequeno Bruce, pegar um ônibus vermelho, pegar o metrô, pegar um ônibus amarelo para finalmente chegar no trabalho. Trabalhar de oito às dezoito, com duas horas de almoço que Marianna achava o fim, poderia muito bem fazer apenas uma hora só de almoço e sair às dezessete. Nos fins de semana, casa para arrumar, roupa para lavar e passar.

Uma vez por semana, Marianna ia nos encontros de Wicca, no Coven de L. Luz.  


O rapaz loiro continuava na janela, todos os dias de manhã fumava um cigarro, sumia, voltava com uma gaiola, voltava, retirava a gaiola, fechava a janela e sumia novamente.

Seis meses se passaram. Seis meses voaram, como areia na ampulheta na vida de Marianna.

 
Um dia o loiro sumiu, simplesmente não abriu a janela, durante um dia inteiro. No dia seguinte a mesma coisa. Durante uma semana  toda, a janela permaneceu fechada. 

Marianna tinha acabado de descer do ônibus amarelo, junto com sua colega Rose, que trabalhava na mesma empresa que ela, porém em um setor diferente, juntas caminhavam rumo a mais um dia de trabalho:

- O Loiro sumiu tem uma semana. Será que aconteceu alguma coisa? Um acidente de carro, talvez.

- Ele pode ter se mudado, ou ainda viajado Marianna. 

- Pode ser Rose, como é que eu vou saber?

- Esse seu amor platônico, está ficando sério Marianna.

- Vai ficar sendo só platônico Rose. Como um Loiro que mora na Zona Sul, vai querer alguma coisa com uma proletária que mora em uma cidade dormitório, que passa quatro horas diárias espremida dentro de ônibus e metrôs, indo e vindo para o trabalho?

- Uma proletária linda: morena de olhos verdes, trabalhadora, uma mulher de fibra, que corre atrás do que quer. 

- Obrigada por tentar levantar minha moral. Vamos passar na lanchonete? Me deu vontade de comer um pão com queijo quente.

- Vamos sim. 

Marianna e Rose entraram na lanchonete. O rádio estava ligado, sintonizado em uma estação onde havia e ainda há um programa chamado "Do fundo do Baú" e como o próprio nome dizia, só tocava música velha. A música que tocava era "Hotel Califórnia" do Eagles.


- Bom dia Leila, tudo bem?

- Bom dia Rose, bom dia Marianna. O que vocês querem?

- Um pão com queijo quente, por favor. Responderam as duas juntas.

Enquanto o queijo derretia na chapa. Um cliente entrou e pediu um maço de cigarros, quando Marianna olhou para o lado, gelou. Ali do seu lado, estava o rapaz loiro da janela, vestia uma  camisa preta, uma bermuda xadrex e calçava um par de havaianas. Os cabelos longos e soltos  batiam no meio das costas, estavam molhados e cheiravam a shampoo, como se ele tivesse acabado de sair do banho. De perto ele era mais lindo que de longe. E o sorriso? Lindo! Marianna ficou com o olhar mais derretido que o do queijo que derretia na chapa. O rapaz pegou o cigarro e saiu.

- Ei Marianna, que cara é essa? Algum bicho te mordeu?

- Era ele Rose.

- Ele quem Marianna? Você está pálida. 

- Era o loiro da janela.

- Não brinca, eu nem vi.

- Ele é lindo Rose. Mais lindo de perto, do que de longe.

- Marianna apaixonada pelo Loiro da janela, agora eu vi tudo!