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terça-feira, 5 de outubro de 2010

Escolhas

As brigas com a mãe são constantes. Uma colega da escola aconselha Marianna a correr o mundo. Mas como ela ia viver? Sem amigos e sem dinheiro ela então um dia resolve fugir. Vai para a escola normalmente de manhã, mas na mochila além de cadernos leva também umas poucas peças de roupa. O mínimo necessário para começar uma vida em qualquer lugar. Mas ela tem apenas 15 anos. O único destino que este futuro lhe reservava seria fatalmente a prostituição.

 
Com a cabeça um pouco mais fria, analisa a situação: o que seria dos seus irmãos menores? Uma vez, uma velha tia disse que Marianna era a madeira que sustentava a casa de uma queda eminente. Ao invés de fugir resolve ir para a casa de uma colega depois da aula.
Como já estava tarde e Marianna não retorna, sua mãe resolve procurá-la. Vai na casa de uma colega e a mesma indica um local onde possivelmente ela poderia ser encontrada. Mas antes de chegar ao local vai perguntando para as pessoas na rua onde era o endereço da colega.
Sua mãe a encontra. Se faz de vítima, chora, faz um teatro. Marianna fica calada, tem vergonha da homossexualidade de sua mãe e esconde o verdadeiro motivo de sua fuga. A  ruim da história fica sendo ela. A mãe da colega a proíbe de voltar na sua casa e de conversar com sua filha. Em casa, mais uma surra e novas humilhações.
Marianna então resolve arumar um emprego em uma casa, como babá. Para não ter que ficar tanto tempo em casa. Para não ter que conviver com Soraia Sapatão. Também para ter seu próprio dinheiro. 

No domingo fala que vai à igreja, quando na verdade vai pra pracinha. Lá conhece uma moça da sua idade chamada Laura. Elas até que se parecem um pouco. Olhos verdes, cabelos cacheados. Mas Laura é loira (de farmácia, mas loira). As duas se tornam inseparáveis. Com Laura, Marianna aprende a fumar. Ela até que acha legal fumar. Todos os rapazes legais fumavam. Assim tinham um pretexto para conhecerem carinhas interessantes. "Acende meu cigarro" ou então "Você tem fogo?". 

O culto acabava, as duas voltavam para casa. A semana passava muito devagar, tamanha era a vontade de que domingo chegasse logo. E o tempo na pracinha era tão curto. Isso no começo, pois passado mais ou menos dois meses, Marianna ficava na rua até a meia-noite.  Ela era a Cinderela dos anos noventa. Depois passou a sair também aos sábados. Nessas saídas eventualmente surgia alguém que queria ficar com ela. Tudo muito superficial. Apenas curtição. Todos só queriam a casca. O interno não valia nada para ninguém. As outras moças que frequentavam a pracinha eram todas mais velhas e experientes. Laura, por exemplo, tinha tido uns três namorados. 

Marianna também queria conhecer alguém especial. Até mesmo porque no fundo ela  tinha receio de se tornar homossexual como sua mãe. O tal alguém especial estava demorando para aparecer e cansada de ser a única virgem da turma, ela experimentou o sexo pela primeira vez aos dezesseis anos. Não foi a noite dos sonhos como ela sonhava, com lençois de cetim em um quarto dos filmes que a gente vê na TV. O cara com quem Marianna perdeu sua virgindade nem acreditou que ela fosse virgem mais. Quando ele descobriu que ela estava falando a verdade, arrependeu-se. No dia seguinte Marianna teve medo que sua mãe descobrisse tudo. Descobrisse que ela tinha entregado seu bem mais precisoso para um completo desconhecido. Anos mais tarde Marianna o encontrou gordo, alcoólatra morando com uma mulher vinte anos mais velha. Aos poucos a pracinha perdia a graça. Era preciso conhecer lugares novos. Laura também já não era mais tão legal. Muito pelo contrário, quando Marianna via alguém interessante Laura pulava na frente e ficava com o cara.

Foi assim que Marianna conheceu a Feirinha nas quintas à noite. O ano 1996. Último ano do ensino médio. Marianna não abandonou a escola. Mais as notas caíram consideravelmente. No bairro não só ela como a irmã carregavam o estigma de serem filhas da mulher que vivia com Soraia Sapatão. Uma vez uma garota entendida deu em cima da sua irmã, com a desculpa de que se sua mãe era sapatão, ambas também eram.
Voltando para a feirinha de quinta-feira, a mesma acontecia em outra cidade. Era necessário pegar coletivo  que demorava meia hora para chegar na feirinha. E foi nessa feirinha que Marianna passou as melhores noites de sua vida.

4 comentários:

  1. Interessante essa narrativa. Gostei da evolução do personagem durante a trama, sem um início e nem um fim, apenas contínuo.
    outro ponto interessante foi o desalinho do tempo, uma forma de criar uma asincronia no texto, com idas e vindas no tempo linear.

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  2. Concordo com o colega aí de cima! Você soube desenvolver bem a narrativa!
    Continui assim, parabéns.

    beijos!

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  3. O começo parece com meu sábado passado, eu fiquei contra meus pais e decidi sair de casa, mas eu desisti não lembro pq, mas eu desisti.
    Adorei o texto, parabéns :D

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  4. Continuo lendo!
    E continuo amando!
    E... me identificando com coisas como "drama da mãe", "pracinha", "aprender a fumar", tudo isso me lembra minha adolescência.

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